tratado sobre mulheres

é tão bonito ver uma mulher
desabrochar, ousar
e tudo o que precisamos fazer
é dar um passo para trás
olhar de uma certa distância
e amá-la
amar quem ela é, seu modo de ser
sua individualidade
e jeito de mulher

um batom vermelho-sangue e
maquiagem
não é para serem tratados com
modos brutos
não pense em quem irá aproveitá-la
se o jeito dela intimida
ou se você pode ter uma mulher assim
ame-a

elogie ou só observe
e nunca a diminua
nunca diga para chamar menos atenção
queira sempre mais
mais dela mesma, para ela e os dois
encoraje-a se achar necessário
e mesmo que ela não seja sua
ame-a

mas se ela for sua, meu caro
você se sentirá um deus
e suas curvas
o brilho em sua boca, o vermelho
entre suas coxas
será seu templo

um milagre de natal

Deus, seu filho da puta
louco
por que você enlouquece as
pessoas, deixa-as doentes
drogadas e solitárias
você nos deu Seu filho
mas
não foi o bastante
precisamos de mais sangue
para aplacar nossa dor
todo ano fazemos Seu filho
renascer, então o matamos

servimos nossas mesas fartas
e cantamos aleluia, enquanto
a gordura escorre pelo canto
da boca
com olhos doentios, odiando uns
aos outros
presos nesse círculo de morte
e renascimento, e mais morte
torcendo para que alguém
quebre o círculo
e solte
os animais de seus cabrestos

isso não vai mudar, a rebeldia
de alguns não fará diferença
mas se puder, fique sozinho
em casa esse ano
leia um livro, ouça música
ou passe com o seu amor e
seus gatos
com roupas de segunda mão
e fogo no coração
isso sim seria um milagre

poema para náufragos

estou perdendo a cabeça
perdendo
a
cabeça
quero um trago, drogas - o que
for - para não doer tanto
quando você se vai
para não doer tanto
quando a tenho ao meu lado
para que eu possa dormir

sem me perguntar onde você está
e com quem você esteve
você sorriu? disse que o amava?
ele a viu chorar?
ou só a fez gozar?

diga-me
você vai ler isso?
você vai voltar?
para que eu possa dormir
e não ver as horas passarem
e a noite virar dia
sem
você

eu sei que nunca vai dar certo
porque quando a tenho
ao meu lado
você não está lá
para onde sua mente vai
nos dias ruins?
se eu segurar sua mão e dizer
que tudo ficará bem
e meu quarto é seu porto seguro
você ficará?

o último romântico

estou vivo ainda, pelo bem
ou pelo mal.
enfim optei por lutar,
motivado por cerveja
e fartas refeições.
de certo modo apenas me alimento
e me satisfaço, como um porco
antes do abate.

não sei, talvez não haja mais
do que isso na vida;
apenas tragos e refeições
cada vez mais sem graça,
amores que vem
e vão.
com as brilhantes noites embrigadas,
de risadas e sexo,
cada dia
mais distantes.

sem grandes suspresas e alegrias,
apenas a esperança
que o amor
nos encontre novamente.
e os fogos de artifícios explodam
uma vez mais,
como um jato de porra
no rosto da sua mulher.

e dizem que o romance morreu.

a chama dos deuses

sua olhada para trás
como só uma mulher consegue
o momento perfeito
do mais puro deleite, meu e seu
com o seu rabo rebolando
e seu corpo nu, como fogo

você vagando pelo quarto
com uma garrafa na mão
havia música no ar
e roupas ao chão
não a tive aquela noite
mas você me teve, baby
e eu tive o fogo dentro de mim
como Dioniso
uma vez teve a chama dos deuses

como viver foi tão divertido
um dia?

atraído pela luz

estou doente e não sei

se quero melhorar, ao menos não

o bastante
enquanto todos saem às ruas e
buscam a luz, como mariposas

e como eles, também busco a luz
que faz meu coração
bater mais forte
por dentro, estou velho
aqueles velhos que não viveram muito
lá fora
e passaram a vida olhando pela janela

já fiz bastante coisa nessa vida
- mais do que o esperado,
e talvez o suficiente -
para não precisar justificar a ninguém
que resistir
pode ser apenas arrogância

vale a pena viver apenas por isso?
medo? orgulho?
ou talvez uma janela simplesmente
seja uma janela
uma mariposa só uma mariposa
e a vida
seja apenas ficar batendo às cegas
contra ela
procurando pela luz

quando os deuses zombam

estou nos meus dias de lobo
e minha mulher
não quer trepar

[comigo

me sinto velho, com mil anos
ou 32
dependendo de quem pergunta

Jesus morreu com 33,
é o que dizem
e não é o suficiente?
toda vez que sinto a morte
se aproximar
tenho medo, é o lógico
mas então aceito:
aceito tudo que
não foi como eu queria
e digo "venha, sua
filha da puta"

mas então ela não vem
e o que resta?
os deuses zombam de mim

o que fizeram de nós

estava sentado sem equilíbrio -
como minha vida -
e pensei que os deuses seriam por
demais misericordiosos,
se me permitissem cair;

eu afundaria no chão como pedra,
me retorceria, tal qual um verme
vivendo da carne morta
e pútrida
de quem passasse por mim.
não é o que fazemos,
de todo modo?

nos alimentamos dos outros,
devoramos seus sonhos (o que
nos mandam)
e eles regurgitam os nossos.
nossos ossos fazem seus prédios,
suas ruas, seus sonhos
e agradecemos, muito obrigado.

não basta devorarem nossos corpos,
querem nossas almas
somos melhor digeridos assim,
eu suponho.

se eu não estivesse na merda
estaria muito irritado
mas sinto que nada disso
tem a ver comigo
e escrevo outro poema
que ninguém lerá
apenas
vermes.

fino como um pedaço de papel

às vezes eu me sinto fino como
um papel
apenas uma impressão
vazia ao toque
e meu corpo está na verdade
noutro lugar, noutro planeta e
tentando fazer contato
minha voz chega do outro lado
emudecida pela estática

suas mãos me atravessam: minha
forma fantasmagórica enfraquece
a cada minuto
não temos tempo, nunca tivemos
o tempo todo eu não estive aqui
e ao tentar ficar (só mais um pouco)
me fixei ao vazio

estou sozinho lá fora no nada e vejo
sua imagem sumir (indo
e voltando)
o tempo acabou e preciso voltar
a ponte entre nossos mundos
está se fechando
quero lhe dizer adeus, meus lábios
se movem
mas não produzem som
Deus, quero beijá-la

estou sendo repelido e puxado
de volta
então, você some
eu volto e
a ordem é restaurada
você, no seu mundo com bilhões
de pessoas
e eu, no meu mundo de um só
habitante:
você.

quando todos os olhos parecem vê-lo

Quando se luta a vida toda,
cada instante, cada minuto
por um lugar ao sol ou
apenas paz
e tudo que se encontra é traição,
engano

[auto-engano

e escuridão louca sufocante,
todos os olhos parecem vê-lo.
E se olhar bem no fundo
de seus olhos vazios,
verá apenas o seu reflexo.

Então você percebe que
não há ninguém lá fora e
a único companhia
que temos
somos nós mesmos.
Nesse momento, você está fodido,
mas não se desespere!
Nesse momento, você está livre
e toda vez que você lutou,
cada instante, cada minuto
é seu.

acorde

Tem dias que se resumem a cagar
e analisar o pau
E perguntar: "O que houve, camarada?
Por que esse abatimento?"
Mas ele não responde, só fica ali parado
Com seu ar zombeteiro

Rio sozinho e penso na noite passada
A velha pontada no peito, a decepção
E a vontade de me socar
O dia passa, monótono e
quente
Decido sair à noite, dar chance ao
acaso
Afinal, ele que nos uniu
E penso: "Podíamos fingir uma dupla
amnésia, fingir que somos estranhos -
que ainda temos uma chance"

"Cerveja", eu penso e bebo uma
De olho na garrafa de cachaça
Então, escrevo após um bloqueio
e olho a chuva lá fora
Escrevo sobre a dor que você botou no
meu peito, da qual me alimentei e bebi
Descendo na minha garganta seca

Sua paixão, seu carinho
Seu sorriso
Seu corpo relaxado junto ao meu
Enfim, em paz
"Eu amo essa mulher. Acabo de foder
com a minha vida", pensei com ela
nos braços

Ainda estou em casa, vejo a chuva
como um sinal
Hoje é dia de beber em casa
E lembrar, desejando estar com você
Prometemos ficar longe um do outro
Porque não se vive de memórias
Porém
ainda a sinto lá, abraçada em mim
Mas você
Você estava dormindo, com seu desejo
atentido
Seu desesperado desejo de ser amada
E o meu, de amar

Mas eu permaneci acordado, você dormiu
e nunca mais acordou
"Acorde, querida. Acorde
 e lembre-se"
Porque eu ainda estou esperando

o dia em que eu desisti

Reencontro, fim de ano
e as coisas
não deram certo
Nosso beijo não gerou faíscas
como antes
O enrolar uno de línguas
Imagino que tenha sido como
beijar um morto

Disse que o seu beijo era como
o de um cadáver
Mas
entendi errado, meu amor
Eu era o cadáver
E nem o mais erótico
dos beijos
Me faria levantar do túmulo

Naquele dia, soube que desistiu
de mim
Como havia desistido antes e
desistiria depois
O sol não raiou no dia seguinte
Não ouve dia novo, vida nova

As coisas se sucederam, fiquei em
segundo lugar
Se houvesse uma tese, eu seria
a antítese
Se houvesse Bem e Mal, eu seria
as trevas
Se houvesse céu e inferno, eu estaria
gritando
Se houvesse namorado, eu seria
o outro

E hoje eu desisto, pois a morte sempre
vence a vida
Desde aquele dia, não houve ano novo

sem lágrimas

Um amigo me disse que
não sabia chorar
"É porque ainda não sofreu
o bastante", eu respondi
Eu nunca chorava, fiquei muitos
anos sem chorar

Então, tudo começou
a dar errado

Se não tivesse fugido tanto,
não ficaria tão mal - quando
perco algo bom
Mas não trocaria pela vida antiga
Sem cor

Porém, quando achamos a cor
depois
de tanto tempo nas trevas
O preto e branco é insuportável
Acho que o amor sempre foi
uma bosta

não adianta

Onde quer que eu olhe
lembro dela
O rosto da minha santa
E puta
Tanto que não sei se ela existe
noutro lugar
Senão dentro de mim

Então por que a sinto?
Tão longe

Estar solitário é motivo para
procurar alguém?
Tão longe

O rosto se tranfotma e foge
da realidade
Tão longe

Estaria ela aqui ou nas estrelas?
No céu ou no inferno?
Sei que não está aqui - em carne
e osso - onde posso enfiar o pau

Maldita poesia
Maldito pau

paraíso perdido

Que vida é essa em que o único
alívio
Vem do trago e do sexo
Como âncoras
Entre o abismo da prisão terrena
e a solidão das estrelas

Que venham mulheres e o gozo
Os porres
A música de Shubert e Beethoven
Os livros de Hesse
A arte de Gustave Doré e Lucífer
expulso do paraíso

Não quero voltar
O lar nunca teve grande significado
para mim
Sempre preferi meus pensamentos e
a sinfonia universal
Dentro de mim e nos céus
Ao paraíso perdido

outra noite sozinho

O problema de ser muito inteligente
é que
se apaixonam por seu cérebro
Não por seu pau
A qualidade do sexo pouco importa
À medida que você é inteligente
e culto
Menor o interesse no seu pau

Pouco importa a música que ouvimos
Os livro que lemos
Se à medida que alimentamos
o intelecto
Passamos mais noites sozinhos

Talvez seja melhor sintonizar na estação
de funk
Ou sertanejo universitário
E esquecer Mozart, Beethoven e Brahms

Pensando melhor, que se fodam
Vou escutar a Nona

infinito

Meias verdades, meias
mentiras
Sua boca se move e saem
palavras
Produzem nada
Você fala como trepa
Em sua arte, perfeita

A boca que me devora
e suga
Tira meu folêgo
Nua, só de meia calça
Suas coxas roçando uma na outra
Onde você vai e quem
é você?

Espero aqui, espero e
espero
Onde está meu veneno?
Seu corpo desce pela
minha bocas
A melhor bebida é o seu sabor

Me tire das estrelas
Tire meu folêgo
Música, arte e filosofia
O imortal
As estrelas são belas, belas e
mortas
Um brilho perdido no tempo
Nunca aqui e nunca ali

Uma meia vida, uma meia
morte
Sua boca é um buraco negro
Me chupe

o flerte

São essas mulheres, ligeiramente
loucas
Ligeiramente frias
Mas apaixonadas, confusas
e inatingíveis
Que fazem a morte parecer
tão bela
Sem elas, os dias passam e
nada acontece

E eu ofereço o mesmo conforto
Suicida, confortável
Entre quatro paredes, eu e ela
Como possuem vida
E no ápice do envolvimento,
se vão

E na escuridão me pergunto:
Sou tão horrível, tão errado
Que não mereço o amor, a vida
Só as trevas?
Sou daquelas pessoas intratáveis
e solitárias por natureza?
Flertando com a morte

Caralho! Esse sofrimento
não tem fim?

correndo com os lobos

Qual é a dificuldade de sair
desse lugar?
Quando, diante da esperança
e da dor
Cheguei nesse local
tão escuro?

Que força, mão do destino
ou a gente do acaso
Agiu sobre mim?

Uso uma coroa, mas não sou o
rei daqui
Este lugar pertence aos deuses
não aos homens
Não sou imortal, não irei morar aqui
para sempre
Ou talvez more e assombre seus
moradores

Até quando, nesse lugar muito escuro
além do tempo e espaço
Estarei preso?
Nessa casca de homem
Essa rede inarticulada de idéias
patéticas?
Esse corpo alquebrado, débil
e sem expressão?

Quero vestir minha pele animal
de lobo
Correr pelas estepes, esse terreno
duro e árido
Mas também não sou animal

Somos todos deuses em corpos
mundanos, vestidos de animais
Corremos pelo campo e não olhamos
para trás
Viraríamos sal, como grãos de areia
Pontículos
Pó
...

centímetros de vida

estou sóbrio, doente
olhando para a rua pelos poucos centímetros
de visão que a janela me oferece
as mesmas árvores
os mesmos prédios
a velha dor e sua companheira solidão
o telefone toca, ninguém atende

imagino que por aí as pessoas
exibem seus talentos, expressam suas opiniões
e vivem suas paixões
como conversam! como são interessantes!
eu as observo, fascinado
como um antropólogo
de vez em quando, até consigo
emulá-las

mas geralmente fico assombrado
e no silêncio que inevitavelmente se segue
me pergunto onde estão meus interesses
meus talentos, minhas histórias
o que houve comigo?

vivo por um trago, uma noite de sexo
digo as palavras certas
como é fácil ser devotado aos outros
quando não se tem nada
e os dias passam...

cogumelos no banheiro

enquanto fungos se proliferam

no meu banheiro, fazendo surgir

cogumelos

eu lembro da mulher do cabelo

de muitas cores

se espalhando no meu cérebro

seu cabelo agora é sempre negro

o vermelho se foi, era só para mim

seriam os cogumelos alucinógenos?

as palavras, o sexo

apenas efeito da embriaguez?

ou havia algo mais?

não sei, talvez eu estivesse bêbado

demais para perceber

mas de todas as cores, a última que vi

foi o negro

e essa que vou lembrar

minha senhora morte

será que algum dia voltará a usar

o vermelho?

senhora morte

uma boa foda
comentários maliciosos
as palavras certas
mas nada além disso
de um futuro maior do
que esse
eu era a morte
ele era a vida

não sei querm era ele
nunca o vi, mas sei tudo
sobre ele
conheço seu rosto
sua voz
eu era melhor companhia

mas não sou uma boa
aposta, meu bem
acho que era esse
o problema
excesso de bagagem
e no final simplesmente
não valia a pena

como iríamos encaixar?
se eu era a morte
e ela também?

pobreza

sozinho outro vez
deixado de lado, comprando
afeto
e recebendo migalhas
comprando risadas
comprando alegria

tão pobre de espírito
por que comprar o que recebia
de graça?
agora lamenta não pela
solidão
mas por faltar as condições de
comprar mais
só do melhor

tão pobre de espírito
porque ele mesmo não seria
boa oferta?

o barco distante

ele tinha que compensar
o mau humor
a inadequação
a falta de um sentido
na vida, com uma dedicação
unilateral
às pessoas em sua volta

com o tempo, o sorriso
não apareceu mais
os olhos se perdiam
fixados no nada
não havia mais a alegria
nem nada pelo que esperar
os gritos e brigas
desvaneciam, enquanto o
barco se afastava da costa

flores eram jogadas no mar
enquanto o menino morria
deixando em seu lugar, um homem
perdido no mar
e nada pelo que retornar

máscaras

todos usam máscaras
alguns mais, alguns menos
os que não usam são seres
estranhos, únicos
e eu os amo

outros usam há tanto tempo
a mesma máscara que acabam
esquecendo dela
acham que possuem um rosto
e alguns usaram tanto a máscara
que se habituaram a ela
não conhecem mais o próprio
rosto

então, adotam outros rostos
pensam que são máscaras
outros percebem
enxergam máscara, não rosto
rostos mascarados
ao invés de máscaras com rostos

todos usam máscaras
você enxerga a sua quando olha
no espelho?
ou enxerga um rosto por trás dela?
quanto a porção que resta, essa é
simplesmente estúpida

a deusa

eu poderia beijar o chão
que ela pisa
minha santa puta
deusa dos tragos, do sexo
e das lágrimas
deusa das risadas, do vazio
com uma garrafa na mão

eu rezo diante dela, digo
"mostre-me o caminho"
sigo o rastro deixado pelo
cheiro de buceta
ela vive em todas as mulheres
nos assombra, enlouquece
nos ensina

somos muito limpos, sérios
temos tantas regras
então nos banhamos nela
por fim
julgamos e descartamos
não gostamos desse nosso lado
e para ela, restam as lágrimas

uns trepam com ela
outros, fazem arte
e em mim, ela tem um
seguidor fiel

metamorfose

me mudei para o quarto

qualquer dia vão achar o meu esqueleto

olhando vidrado para a tela

uma música boa tocando, talvez

Bowie

conversas inacabadas com mulheres

piscando na tela

estarei olhando mulheres nuas

com o pau duro

esperando suas ligações e tudo

o que vem depois

as garrafas e latas vazias

perdidas por aí, só encontradas

dias depois

assim como o arrependimento

mas estarei escrevendo a respeito

caso me achem vivo

afinal

arrependimento, lágrimas e

risadas embrigadas

são a fonte dos poetas

garrafas vazias

pontes queimadas e
navios afundados, à deriva
foi o que sobrou
tempestades estão a caminho
não há palavras que
descrevam
muitos já estiveram aqui

não há sapatos, roupas
pelo chão
ou garrafas vazias na cabeceira
da cama
apenas uma luz oblíqua entrando
pela janela

foram muitas idas e voltas
brigas
eu a mandei embora muitas vezes
ela chegou perto demais
e um dia não houve
volta
nada mais justo

só quero afundar num barril
de vodca
não é sempre assim no fim?

aquele que ainda acreditava

os rumores, a paranóia
os espiões na minha mente
avançam
como uma guerrilha revolucionária
ali, do lado de fora
invadindo os portões

a loucura, a desconfiança
o medo se instaura
é cada um por si, fugindo
para o interior
a cidade foi tomada
nossas mulheres, estupradas
nossos filhos, degolados
e o caos toma conta
como um cão faminto, que
fareja o nosso medo

os rumores estavam certos
os indícios estavam todos ali
e nos apegamos ao que possuímos
tolos, como ovelhas
recuando diante dos cães
guiados por eles
direto ao abatedouro
e ao martelo
nossos pequenos, minúsculos
cérebros de ovelha

os insurgentes tomaram tudo o que
era nosso, nossas melhores
esperanças
enfileradas para o fuzilamento
a cidade foi tomada
salve-se quem puder

"nós somos aqueles que ainda
acreditam, sejamos gratos por isso"
disse o último homem da fila
enquanto esperava o tiro
e assim morreram aqueles
que
ainda acreditavam no amor

não deveria estar recebendo pessoas

é mais um carnaval e eu só
queria um sofá para apagar
receber um boquete, me perder
por aí

não deveria estar recebendo pessoas
se sobessem o que é melhor para elas
manteriam distância
não sou um sujeito ruim, não
mas
às vezes não suporto quando se aproximam
cheios de idéias, e vejo cada uma delas
se desfazendo
todas elas até que sobra apenas uma
única verdade
que não há nada além do que vêem
e elas vão embora, ótimo

me deixem em paz
vendo minha gata caçando baratas
e se divertindo como nunca
acho que vou chamar uma puta

a arte de não ser

não pensar
fechar os olhos
desligar o coração
desligar-se

é o que aprendemos com a vida
desde pequenos
e nunca imaginamos o quanto
seríamos bons nisso

bebemos, comemos
e trepamos
o que resta, sai em poemas
mijo, merda
e esperma

o paradoxo do romance

às vezes sexo e amor são inimigos

e se torna difícil conciliar uma

boceta com um rosto, aí tudo

mais se complica e o tesão vira

uma incógnita

então surge a indiferença, a mágoa

e não se sabe onde aquilo foi parar

nem como fazer para recuperar

o amor pode fazer com que volte

mas é uma ilusão de amizade e

companheirismo, uma desilução

do que achávamos ser

uma trepada não é amor

e carinho não é tesão

não sei, talvez haja alguém que

consiga torná-los aliados

mas são aqueles casais saudáveis

e sobre eles, nada sei

quanto a mim, digo isso:

caralho, como dói

acho que meu cérebro está virando geléia

tenho passado tanto tempo online que
o meu cerébro, outrora formidável
deve estar se transformando em geléia
ando sem concentração
perdendo a memória
e
a empatia

não entendo as conversas, o que falam
e quando consigo entender
o assunto já é outro
durmo tarde, acordo com sono
mas quero dormir o dia todo

amigos e familares se perdem no barulho
e no silêncio é como se já não existissem
acho que sinto falta deles
falta de sentir falta
ou fazer falta, assim tão ausente

minha cabeça é um caos
e nos momentos de lucidez
eu só busco a paz
sexo, bebida e ar condicionado

um sóbrio imbecil

outra vez estou na merda
por causa de uma mulher, claro
não a dor de cotovelo, não
o ciúme nosso de cada dia
mas o tradicional vazio que
as putas não podem prencher
nem o trago

acho que deveria largar a bebida
mas não ouso, estou sóbrio demais
só quero me entorpecer e vomitar
quando trepávamos, não era problema

sou um imbecil
por que diabos não estou bebendo?

os anos deixados para trás

estou trepando com um corpo inanimado
o cadáver de uma mulher
e nada que eu faço, beijos ou mordidas
causam qualquer reação
sinto seu corpo tentando voltar à vida
mas não consigo lhe dar fôlego

os anos passaram, mas não para ela
com os pulsos sangrando
esvaziando sua vida
desde aquele dia
perambulou por aí, mais morta do que viva
bebeu
comeu
trepou

então ela veio para mim
perambulando, mais indo do que voltando
voltando para o passado
naquele mesmo dia, quando a alma deixou seu corpo
estilhaçando-a, para eu juntar

mas não consigo, não sou padre
vejo as feridas em seus pulsos
abertas mesmo tendo cicatrizado
com o sangue se esvaindo
e o corpo, procurando a alma que perdeu

desde aquele dia, não houve ano novo