quinta-feira, 23 de julho de 2020

o corpo

acho que nunca mais vamos no ver,
fizemos essa cama juntos, você do
seu jeito e eu do meu;
reduzimos o outro a nada,
matamos e enterramos o bom senso,
assassinamos a nossa história;
acusações foram trocadas, cada um
tentando achar um culpado no qual
limpar o sangue da mãos,
mas não existe bacia funda o bastante;
o cadáver está apodrecendo na sala,
enrolado no carpete e tudo aponta
para nós, não há mais o que esconder;
desculpas não resolvem, sei que é
tarde demais, mas peço mesmo assim;
me atiro ao chão, peço perdão,
mas não há nada a dizer,
só um corpo a enterrar e o cobrimos
com terra, dizendo belas palavras
e rindo de nós mesmo, então choramos
e cada um segue seu caminho;
vez ou outra visitamos o túmulo,
para lembrar do morto ou garantir
que ele continua enterrado, você com
outra pessoa e eu também;
e sim, ele continua lá, assim como
o sangue em nossas mãos,
como a vida que não tivemos
e a família que nunca existiu;
só ficamos com esse buraco no peito,
com o peso do que nunca foi e do que
que enterramos,
sob este céu cinzento de inverno.

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